sábado, 21 de dezembro de 2019

Sessão da Meia-Noite #27: Corra! (2017)

FONTE: https://www.amazon.com.br/Get-Out-GET-OUT/dp/B06WWK4PT2

Fala moçada! Quem é vivo sempre aparece. Aos meus dois fãs que acompanharam os posts fica aqui o retorno da Sessão da Meia-Noite, sessão em que eu abordo filmes de meu interesse. Dessa vez vou escrever minha opinião sobre o sucesso Corra! (Get Out, 2017), dirigido e escrito por Jordan Peele. E não estamos falando de um filme qualquer: além do sucesso de público e crítica, o longa foi agraciado com o Oscar de Melhor Roteiro Original no ano de 2018. Todo esse sucesso é merecido? Vamos descobrir juntos.
Boa leitura e não deixem de comentar!
R.


Sucesso estrondoso

FONTE: https://collider.com/get-out-review/
"Corra!"é a estréia de Jordan Peele como diretor. O americano, que também assina o roteiro do longa, começou a fazer sucesso quando atuava em esquetes de humor no programa Mad TV, onde atuou por cinco temporadas (2003-2008). Passados alguns anos, Jordan se uniu a outro ator do programa, chamado Keegan-Michael Key. para estrelar seu próprio show, intitulado "Key & Peele".

Jordan Peele (de óculos) e Keegan-Michael Key (FONTE:https://time.com/3972368/key-peele-ending/).

 O humorístico dos dois colegas durou de 2012 até 2015. No ano de 2014 eles fizeram uma participação na série Fargo, como dois agentes do FBI. Os dois ainda produziram, escreveram e estrelaram a comédia Keanu (2016). 

FONTE: https://www.imdb.com/title/tt4139124/
Como podemos notar, Jordan Peele se consagrou como ator de comédia, mas isso viria a mudar em 2017, com o lançamento de "Corra!". Orçado em 4,5 milhões de dólares, o longa de terror faturou uma bilheteria de 255 milhões de dólares no mundo todo. Com a produção de Jason Blum e sua Blumhouse Productions, responsável por franquias de sucesso como "Atividade Paranormal", "Uma Noite de Crime" e "Sobrenatural", o filme estreou no Festival Sundance de Cinema, caindo imediatamente na graça do público e da crítica. O filme conta com 210 nomeações e 87 prêmios no total. Dentre as nomeações estão 4 para o Oscar de 2018: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Daniel Kaluuya) e Melhor Roteiro Original, sendo que venceu apenas na última categoria. Peele foi o primeiro negro à receber o Oscar nesta categoria.

FONTE: https://sports.yahoo.com/academy-awards-history-jordan-peele-094223434.html

Peele seria novamente indicado ao Oscar em 2019, dessa vez como produtor (juntamente com Spike Lee), na categoria de Melhor Filme por "BlacKkKlansman". Atualmente ele trabalha como apresentador e produtor do remake de "Além da Imaginação", disponível no serviço de streaming CBS All Access, além de ter escrito, produzido e dirigido o também muito elogiado filme de terror "Nós", que estreou neste ano.

Pôster original do último filme de Peele, "Nós" (FONTE: https://www.imdb.com/title/tt6857112/).
Com tantos prêmios e uma nota invejável no famoso agregador de críticas Rotten Tomatoes (98% em 360 reviews, com uma nota média de 8,31/10), eu estava com uma expectativa muita alta antes de assistir "Corra!". Infelizmente, novamente acabei tropeçando em minhas próprias expectativas e tive uma experiência prejudicada exatamente por ser um filme de meu gênero favorito, o terror/suspense. Afinal existe algo mais chato do que desvendar a trama de um filme nos seus 30 primeiros minutos? Muitos fãs de filmes de suspense acreditam que muito mais importante que os ingredientes do prato é a forma como ele é preparado e servido. Infelizmente, na minha opinião, um bom prato deve ter ingredientes frescos e cujo gosto surpreenda o paladar do espectador. Logo, ainda que "Corra!" tenha me servido uma refeição nutritiva, ficou aquela sensação de que faltou tempero no prato servido por Jordan Peele.

FONTE: https://digg.com/2017/get-out-movie-reviews
Bom, mas antes de revelar o que me agradou e o que me deixou com um gosto amargo na boca, vou apresentar uma sinopse do que se trata o enredo do filme. Ah, para aqueles que ainda não viram o filme, não se preocupem pois avisarei onde começarem os spoilers.


O enredo

Chris Washington (Daniel Kalluya) e Rose Armitage (Allison Williams)
(FONTE: https://collider.com/get-out-review/)
A história de "Corra!" começa de modo relativamente simples. Chris, interpretado por Daniel Kalluya (Pantera Negra, Watership Down), é um fotografo negro que namora uma moça branca chamada Rose (Allison Williams, que esteve em Desventuras em Série e The Perfection). O rapaz está nervoso pois Rose deseja apresentar ele aos seus pais. Aqui já temos a introdução do tema central do filme: o medo de Chris não ser aceito pelos pais de Rose devido sua cor de pele. Apesar da moça dizer que seus pais não têm este tipo de preconceito, Chris fica com um pé atrás, compreensivelmente por já ter sofrido racismo a vida toda. Não ajuda o fato de que durante a viagem à casa dos Armitage, que fica no interior do estado de Nova York, um guarda de trânsito para o casal e insiste em ver apenas a identidade do rapaz negro. Com isso Chris reafirma para Rose que sabe muito bem como as pessoas brancas reagem à sua presença.

Os pais de Rose (FONTE:https://collider.com/get-out-ending-explained/#spoilers).

Após um incidente na estrada, com o atropelamento de um cervo, descobrimos que Chris possui traumas em relação à sua falecida mãe. Por fim, o casal chega até a propriedade dos Armitage. Lá o rapaz conhece seus sogros, os muito agradáveis Dean (Bradley Whitford) e Missy (Catherine Keener). Enquanto o homem é um neurocirurgião, sua esposa trabalha como hipnotista. Ela inclusive atesta ser capaz de eliminar o hábito de fumante de Chris com hipnose, coisa que o rapaz recusa. Além do casal, vivem na mansão os empregados Georgina (Betty Gabriel) e Walter (Marcus Henderson). O fato de ambos os empregados serem negros incomoda Chris, mas Dean lhe explica que está longe de ser alguém racista. Ele inclusive conta que a família Armitage teve um membro que perdeu para  o atleta negro Jesse Owens na frente de Hitler durante as Olimpíadas de 1936, o que destruiu o argumento do líder nazista sobre a supremacia ariana. Desde então os Armitage admiram a força da raça negra. 

A empregada Georgina (FONTE: https://whysoblu.com/embrace-social-thrills-get-movie-review/).
À noite, Chris conhece o irmão de Rose, Jeremy (Caleb Landry Jones, que esteve na terceira temporada de Twin Peaks). O rapaz acaba se mostrando agressivo e de comportamento instável. Paralelo à tudo isso, Chris comunica suas impressões sobre a família via celular para seu amigo Rod Williams (Lil Rel Howevery), que parece dividir o apartamento com ele e trabalha como agente da TSA (Transportation Secury Administration, uma agência fundada nos EUA pós-11 de setembro que fiscaliza aeroportos em buscas de possíveis terroristas). A situação realmente começa a ficar estranha quando Missy anuncia que no final de semana ocorrerá a reunião anual da famíliar Armitage e que Chris está convidado a participar. Porém, dentre os convidados da família, surge um outro rapaz negro, Logan King (Lakeith Stanfield), que é casado com uma parente dos Armitage.

Logan e sua esposa (FONTE: https://collider.com/get-out-review/).
Inicialmente Chris fica aliviado por ter mais um negro na reunião, mas logo percebe que Logan tem atitudes estranhas. Além disso, Chris tem sensação de que já viu Logan em outro lugar, mas o homem desconhece completamente o rapaz. Isso, aliado às atitudes estranhas dos empregados da casa, faz com que Chris começa a desconfiar de que nem tudo é o que parece.

Enredo em dois níveis


FONTE: https://www.indiewire.com/2018/06/get-out-2-jordan-peele-jason-blum-sequel-possible-1201977903/
"Corra!" funciona em um esquema que eu costumo chamar de dois níveis: existe o que estamos vendo na tela, ou seja, os acontecimentos reais, mas também existe uma outra forma de interpretação, mais sútil. Na minha opinião, o segundo nível funciona muito melhor do que o primeiro. O primeiro nível seria a trama por trás do segredo da família Armitage e o porque dos empregados e Logan agirem de forma estranha. Esta trama principal, na minha opinião, é muito fraca e pouco original (vou falar mais sobre isso na parte com spoilers). O segundo nível seria a interpretação com base no filme como uma crítica ao racismo. Neste lado, Jordan Peele não poupa os espectadores e tem uma abordagem muito ousada e corajosa, literalmente tocando na ferida.

FONTE: https://icecreamconvos.com/jordan-peele-get-out-100m-at-the-box-office-in-16-days/
O modo como a família Armitage trata Chris e os negros gera cenas extremamente desconfortantes. Em certo ponto da película eu me senti genuinamente incomodado com o fato de a família acreditar estar fazendo um favor em tratar bem os negros. Como se respeitar os negros fosse um diferencial, algo para se orgulhar e por em seu currículo. A situação só piora na reunião de família, quando Chris é literalmente apresentado como atração principal, um troféu à ser exibido. Mesmo com o alto grau de miscigenação, devido a influência das matrizes Européia, Africana e Asiática, o Brasil ainda é um país muito racista. Entretanto, devido à forma como foi colonizada, os EUA possuem uma carga de preconceito mais evidente do que em nosso país. Temos como exemplo as leis racistas que por muito tempo perduraram na nação americana. Para se ter uma ideia, até 1950 haviam leis segregacionista que forçavam negros a ceder o assento do ônibus à brancos. Para saber mais dessa história procure por Rose Parks, uma jovem negra que ousou desafiar estas leis.

FONTE: https://www.vogue.com/article/jordan-peele-get-out-movie-fashion-costume-designer-nadine-haders-interview
Enquanto em países como o Brasil o racismo está enraizado na cultura da população, os EUA por muito tempo deu aos seus cidadães o direito legal de expressar a segregação racial. Por esses motivos, me surpreendeu positivamente que uma produção norte-americana tenha tido a coragem de encarar de frente o tema racismo. Por isso reafirmo que este ponto do filme é o mais forte e relevante. Todavia, o outro nível da trama infelizmente não me convenceu nem um pouco. Se você ainda não assistiu "Corra!" e não deseja conhecer spoilers, corra para ver o filme (rsrs) e depois volte para ver a próxima parte. Ou então pule até as conclusões.

A chave para desvendar"Corra!"

FONTE: https://medium.com/@amanda.rosso/get-out-and-the-urgency-of-complexity-in-storytelling-b33a60a24caa

Eu me considero um fã de filmes de terror e suspense. Por isso motivo, já tenho uma bagagem considerável neste gênero. Infelizmente a indústria de filmes de terror não é exatamente conhecida por sua originalidade. De modo geral, quanto mais filmes você assistir, mais evidentes começam a ficar alguns padrões e ferramentas de roteiro, além de escolhas temáticas. Por vezes isso não estraga a experiência do espectador. Posso tomar como exemplo o subgênero slasher, dos famosos assassinos mascarados. Após décadas de Sexta-feira 13, Halloween, A Hora do Pesadelo, qualquer fã consegue identificar quais vítimas vão morrer primeiro e quais vão derrotar o vilão da vez. O mesmo acontece com outros subgêneros, como casas assombradas, zumbis, etc. E qual o problema disso? Acontece que existem filmes que se constroem em torno de um mistério central e se este é um que já foi abordado em outras obras corre-se o risco de o espectador chegar a conclusão antes de que o diretor/roteirista tenha planejado. Tal clímax antes do clímax acaba diminuindo a vontade de muita gente em continuar acompanhando o longa. Infelizmente "Corra!" é uma vítima do gênero em que se enquadra. O fã mais atento pode desvendar o segredo da família Armitage logo nos primeiros momentos de Chris na casa. E tudo isso devido a trama ser muuito similar com dois filmes em especial: "A Chave Mestra" (2005) e "Balada para Satã" (1971).

FONTE: https://www.okayplayer.com/culture/jordan-peeles-get-out-mtv-movie-tv-awards-nominations.html
Na verdade a semelhança com o filme de 2005 é tão grande que por vezes, enquanto eu assistia o filme de Jordan Peele, eu me referia à ele como "A Chave Mestra 2",rsrs. Infelizmente caso você não tenha visto o filme estrelado por Kate Hudson, você também vai tomar um spoiler dele,rsrs. Então fica o último aviso aqui!
Na trama do filme de 2005, Kate Hudson interpreta uma cuidadora de idosos que vai trabalhar em uma mansão em Nova Orleans, cidade muito conhecida pelas tradições de vudu trazida pelos escravos. Para resumir a história, a moça descobre que os antigos escravos da propriedade roubaram os corpos dos patrões para viver eternamente. Isso é basicamente a mesma coisa que ocorre em "Corra!". A diferença é que no filme de 2017 os brancos resolvem trocar de corpo com os negros, que segundo a seita do filme possuem corpos mais fortes. O modo de troca também muda (para pior na minha opinião): cirurgia cerebral. Enquanto em "A Chave Mestra" a troca de corpos utilizando magia era meio que aceitável dentro do mundo criado, em "Corra!" o processo de cirurgia de trocas de cérebro me pareceu ideia saindo de um filme de ficção dos anos 60,rsrs. Afinal, magia pode tudo, enquanto sabemos que transplantes cerebrais são um pouco menos crível. Por incrível que pareça,rsrss.

FONTE: https://finance.yahoo.com/news/first-trailer-jordan-peele-horror-194300146.html
O outro filme em que o debut de Jordan Peele na direção me lembrou foi o clássico "Balada para Satã". Neste terror de 1971, Alan Alda interpreta um pianista que se torna vítima de uma conspiração satanista que pretende roubar seu corpo para servir de vaso para alma de outro pianista que está morrendo. A semelhança fica no fato de um fotografo cego ganhar o direito de trocar de corpo com Chris no leilão realizado pela família Armitage. Dessa forma aqueles que assistiram ambos os filmes não terão muito com o que se surpreender ao acompanhar a trama escrita por Peele. Felizmente as cenas na sala de aprisionamento, com o vídeo do vovô Armitage falando sobre o projeto Coagula, e o desfecho do filme, com os últimos 15 minutos apresentado uma vingança satisfatória de Chris, salvaram para mim uma experiência que tinha se tornado extremamente previsível e pouco interessante. Ainda que o fato de Rose sobreviver à um tiro a queima-roupa de um rifle de caça e ficar consciente para conversar com Chris tenha sido extremamente forçado,rs.

Conclusões...

FONTE: https://www.imdb.com/title/tt5052448/
Apesar do enredo previsível para os fãs do gênero terror, "Corra!" é extremamente recomendado, especialmente pelos seus 15 minutos finais que entregam um desfecho satisfatório. Além disso é importante ressaltar a coragem de Jordan Peele em abordar de forma tão crua o tema racismo. Espero que este choque possa fazer com que o espectador reflita sobre quão burra é a ideia de segregar pessoas pelo seu tom de pele ou qualquer outra característica. 
Muito obrigado pela leitura e não deixe de comentar!
Até mais.

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