domingo, 22 de julho de 2012

Nanquim&Celulóide # 2: Double Pack - Hideo Yamamoto (Parte II)

FONTE: http://www.animevice.com/homunculus-vol1/16-6625/
Fala moçada! Voltando aqui com a segunda parte deste "Double Pack" sobre as duas obras mais conhecidas de Hideo Yamamoto: Ichi the Killer e Homunculus!
Agora chegou a vez de falar sobre a trama psicológica protagonizada por Susumu Nakoshi: é hora de conhecer Homunculus! Mas antes, vamos falar um pouquinho sobre o gênero a qual ambos os mangás pertencem (uma introdução que eu acabei deixando de fora do primeiro post). Boa leitura!

R.



- Afinal, mangá é coisa de criança?

FONTE: http://animenyah.blogspot.com.br/2011/02/manga-homunculus-chega-ao-fim.html
A resposta é: sim! Mas de adultos também! "Como assim?" Muito simples: apesar de nós do Ocidente nos acostumarmos a ter contato apenas com obras mais voltadas para o público jovem e adolescente, o mercado de mangás no Japão não se resume à isso. Existem literalmente milhares de publicações, abrangendo os mais variados estilos e, consequentemente, voltadas para as mais variadas faixas etárias. Há desde mangás direcionados a crianças que estão aprendendo a ler, até aqueles voltados para um público mais maduro, com seus 18-30 anos de idade. E quando falamos das obras de Hideo Yamamoto é deste tipo de público que estamos falando. Enquanto mangás mais "pops" como Naruto e One Piece são direcionados à um público de 12-16 anos, mangás como Homunculus e Ichi the Killer têm sua estrutura, traços e temas focados para atrair a atenção de pessoas que buscam histórias mais complexas e "maduras". Este é o gênero que recebeu o nome de seinen (significa algo como "jovem adulto"). No Brasil, muito antes de Homunculus e outros mangás seinen pintarem nas bancas, alguns mangás famosos deste gênero deram as caras por aqui, sendo "Lobo Solitário" (de Kazuo Koike) e "Akira" (de Katsuhiro Otomo) os exemplos mais conhecidos.
Via de regra, a definição está mais ligada ao tipo de revista em que o mangá é publicado, do que propriamente a história abordada. Death Note, por exemplo, possui uma trama que tranquilamente poderia ser desenvolvida em um mangá seinen, porém, ele foi publicado em uma revista de mangás shonen (shonen quer dizer algo como "garoto"), sendo portanto pertencente à este estilo. Claro que há limites que um mangá shonen não vai ultrapassar, devido a idade da audiência, que os seinen podem ir além. Mas de modo geral, um e outro estilo podem ter pontos do outro.
Bom acho que isso elucida um pouco o termo "seinen", coisa que deixei passar em branco no post passado. De modo que agora, vamos falar do mangá.

- Homunculus (2003-2011): 

FONTE: http://superheroisemgeral.blogspot.com.br/2011/07/homunculus-manga.html
Homunculus foi publicado inicialmente na revista semanal seinen Big Comic Spirits, da editora Shogakukan, sendo posteriormente publicado em volumes encadernados (os famosos tankobon). A série rendeu 15 volumes encadernados, sendo o primeiro lançado em 30 de julho de 2003 e o último em 28 de abril de 2011. Para nossa alegria, Homunculus foi lançado aqui no Brasil pela Panini em abril de 2008. Contudo, como o mangá ainda estava em andamento, a editora acabou lançando a série de forma irregular (já que estava alcançando a obra original) e até agora lançou apenas 13 dos 15 volumes.
O mangá conta a história de Susumu Nakoshi, um homem de 34 anos que mora dentro de seu carro, estacionado entre um hotel luxuoso e um parque onde residem sem-tetos. Assim como os sem-tetos do parque (com quem ele fez amizade, recebendo o apelido de "moço do carro"), Susumu também tem um passado onde tinha uma casa e um emprego. Acontece que ele prefere esquecer isso e tem o hábito de mentir sobre sua história anterior (de modo que os próprios moradores do parque o classificam como sendo mitomaníaco). Tudo o que Susumu deseja é viver tranquilamente em seu carro, onde guarda tudo que tem e dorme em posição fetal (chupando o dedo, como um bebê no útero) todas os noites.

Susumu gosta de sentir a vibração do seu carro (FONTE: http://mangaframe.tumblr.com/l)

Contudo sua rotina calma é perturbada quando um dia surge um estranho jovem chamado Manabu Ito batendo na janela de seu carro. Ito se apresenta como sendo um estudante de medicina e diz ter observado Susumu durante algum tempo. Ele então lhe faz uma proposta: participar de um experimento que ele está realizando e receber por isso a quantia de 700 mil ienes (aproximadamente 180 mil reais). Inicialmente Susumu recusa a oferta, mas depois acaba aceitando ouvir mais sobre o suposto experimento.

Manabu Ito: SIM ele é um médico, e NÃO ele não está te mandando se ferrar,rs (FONTE:http://fictionaltrans.tumblr.com/).
O tal experimento consiste em realizar o procedimento chamado trepanação: a abertura de um oríficio no crânio da pessoa. Manabu explica que quando somos crianças os ossos que constituem nossos crânios ainda não estão totalmente colados e por isso a pressão intercraniana é mais baixa. Ele acredita que a abertura de oríficio no crânio ajuda a baixar a pressão intercraniana, de algum modo fazendo com que o cérebro da pessoa experimente uma sensação de bem-estar e clareza associada ao tempo em que era uma criança. Além disso, ele acredita que a trepanação pode estar associada ao desenvolvimento de uma intuição superior, aquilo que é conhecido como o sexto sentido.
Susumu fica intrigado com a ideia e, já que não tem muito o que fazer de sua vida, resolve topar a operação. Só que os resultados acabam surpreendendo ambos...

Susumu após a trepanação (FONTE: http://read.mangashare.com/Homunculus/chapter-008/page001.html).
Aqui vou abrir um parênteses para falar sobre a trepanação: por incrível que pareça ela existe! E segundo os historiadores muitos povos antigos realmente faziam uso deste procedimento para executar curas. Claro que muita gente acabava morrendo. E ainda, segundo o mangá, existem pessoas modernas que acreditam que tal procedimento é benefíco e tentam executar isso na atualidade (sinceramente, até acredito que exista isso, neste mundo louco que vivemos :P). Ah, o mangá ainda faz questão em cada final de volume de alertar o leitor sobre os riscos da trepanação e pedir que ele jamais faça isso em casa! Rsrs, tá louco o_O
Continuando. Depois da cirurgia Ito avisa Susumu que vai estar em contato com ele para saber se há alguma mudança. Inicialmente o sem-teto não nota nada de diferente, até que depois de um tempo percebe que está tendo "visões" estranhas das pessoas, mas apenas com seu olho esquerdo.

A visão do olho esquerdo de Susumu (FONTE: http://www.teamliquid.net/forum/viewmessage.php?topic_id=320933).
Manabu e Susumu então começam a investigar essas "visões" e acabam descobrindo que elas não são aleatórias: a forma externa dos "monstros" têm relação com traumas e aspectos psicológicos das pessoas a quem pertencem. Desde modo, Manabu associa isso ao conceito da psicologia sobre Homunculus (homem pequeno). Este diz que dentro de nós existe uma projeção mental sobre nosso corpo, baseada nas experiências e sentidos que temos sobre o mundo. De modo que nossa mente enxerga nossa aparência de modo diferente do que ela realmente é. Só que isso é inconsciente! E Susumu ainda descobre que ele pode de algum modo se comunicar com o Homunculus das pessoas e ajudar a resolver os traumas que estão associado à ele. Assim ele se torna um tipo de "super psicológo",rsrs.
O mangá então passa a explorar a relação entre Susumu e os Homunculus (o correto é "os homunculi", já que homunculi é o plural de homunculus).
FONTE: http://www.mangarush.com/manga/homunculus/v-1/0-2/p-103
Assim como em Ichi the Killer, o que move a história de Homunculus são seus personagens. Começando por Susumu. Ele é o centro vivo desta história e com o passar do tempo se descobre que ele é um personagem muito mais complexo e perturbado do que inicialmente se pensa. Não vou contar aqui sobre seu passado, pois isso estraga muito o impacto que o mangá passa quando descobrimos pouco a pouco como ele saiu do hotel de luxo para vir até onde está. Só posso adiantar que a relação entre ele e os homunculi é uma metáfora perfeita para sua relação consigo mesmo. 
A cada vez que Susumu consegue "libertar" uma pessoa de seus traumas, ele acaba absorvendo uma parte do homunculus desta para seu corpo. Assim após um tempo ele acaba ficando com um braço de robô e uma perna de areia (apenas quando se olha no espelho com seu olho esquerdo). Ah, e quem acredita que Susumu sai por ai resolvendo o caso de todo homunculus que ele encontra pela frente, se engana: no decorrer dos 15 volumes poucos casos são resolvidos. O autor na verdade está mais interessado em resolver o caso do próprio protagonista, já que a certa altura da história, Ito associa os homunculus a características do próprio Susumu.
Sobre os Homunculus, temos por exemplo o Yakuza que no passado cortou fora o dedo de seu irmãozinho e agora se culpa por isso (ele então assume a forma de um robô, fechado para o mundo, mas que corta o dedinho constantemente com uma foice). Também temos a jovem garota que a primeira vista é feita de areia, mas esta se revela um emarranhado de símbolos. Além, é claro, do próprio Ito: um recipiente transparente com um peixinho dentro.
Como disse antes, cada homunculus revela um trauma de seu hospedeiro, que vai sendo elucidado pouco a pouco por Susumu no decorrer dos volumes.
Não vou falar muito sobre a história, por que ela é surpreendente a medida que vamos conhecendo mais e mais os personagens, seus segredos e traumas. Só posso dizer que este mangá explora muito bem temas profundos da mente humana.
Assim como em Ichi the Killer, aqui também temos enfoque em perversões sexuais, violência e bullying. Só que diferente do mangá anterior, aqui acredito que Hideo soube orquestrar tudo de modo a passar uma mensagem clara e menos louca,rsrs. E, meus amigos, que mensagem. O final não é nem um soco no estômago, está mais para um chute mesmo,rs. 
Eu li que o autor até mesmo chegou a passar um tempo vivendo como morador de rua, para dar mais credibilidade à história. Acredito que de algum modo neste mangá ele se encontra mais maduro e seguro para desenvolver a história, e como já disse antes, aqui não temos a violência desenfreada de Ichi, invés disso somos presenteados com um mergulho na mente dos personagens. Mas tem algum sangue e nojeiras,rsrs. Senão não seria Hideo Yamamoto né?

FONTE: http://butecoshonen.wordpress.com/2011/06/21/resenhando-homunculus-manga/
Por fim, só posso recomendar que leiam Homunculus. Pois este é um verdadeiro exercício de reflexão para todos. E a mensagem que tirei disto é: afinal, o quão importante é a aparência de alguém?

- Considerações finais: 
FONTE: http://hellyeahhorrormanga.tumblr.com/post/17913305902
Hideo Yamamoto com certeza é um autor que nos faz pensar após ler suas obras. Ainda que eu continue sem entender a mensagem que ele quis passar com Ichi the Killer (terá alguma? Rs), tanto este quanto Homunculus são mangás que merecem ser lidos. No final, ambos têm personagens que são exemplos de como não devemos ser,rs. Isso se quisermos ser mentalmente saudáveis. Mas será que isso ainda é possível na sociedade que vivemos? 

P.S.: As informações aqui apresentadas sobre o mangá têm como fonte a página em inglês da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Homunculus_%28manga%29
P.S.2: Ainda há muito o que se falar sobre trepanação e o conceito da psicologia sobre homunculus. Recomendo que os interessados procurem mais sobre estes assuntos na Internet ;)

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